Realidade espiritual e organizacional

Igreja - Realidade espiritual e organizacional

Por Rodolfo Montosa

Temos percebido uma constante e crescente tensão entre dois extremos na liderança cristã-evangélica. De um lado, aqueles que passo a chamar de “profetas espiritualistas”, porque, em nome da essência relacional do evangelho, da sublimidade da missão, da profundidade existencial do conteúdo bíblico e da adoração contemplativa, sacam seu arsenal verborrágico contra toda e qualquer expressão organizacional da Igreja, fixando-se, obcecadamente, em comparação inexata e parcial com empresas de mercado. Do outro lado, aqueles que passo a chamar de “líderes pragmáticos”, porque em nome do reino de Deus, da carência dos necessitados, do cumprimento de seu chamamento e de sua própria visão, voltam-se, alucinadamente, para a obtenção de resultados objetivos em seus ministérios, ignorando, por completo, a crítica dos primeiros ou qualquer outro tipo de reflexão teológico-bíblica, por considerarem iniciativas desse tipo absoluta perda de tempo. Quem, afinal, está certo? Simultaneamente, os dois e nenhum. Sendo assim, passemos a algumas questões.

Crentes são clientes? Congregação é uma franquia? Pregação é marketing? Apelo é fechamento de vendas? Aconselhamento, ensino e orações são serviços prestados? E o que dizer do dízimo, seria o pagamento pelos serviços? Contudo, têm empregados, recolhem encargos, têm CNPJ, fazem sua contabilidade, têm fluxo financeiro constante de recebimentos e pagamentos, acumulam patrimônio, realizam assembléias, fazem prestação de contas, localizam-se em um endereço estratégico, estão na lista telefônica, contratam, destratam e muito mais. O que é isso, então? Simultaneamente, a realidade espiritual e organizacional da Igreja.

Na realidade espiritual, tudo está centrado em Cristo: sua morte sacrificial, sua ressurreição, seu perdão, nosso arrependimento, nossa confissão, a reconciliação, o reaprendizado, a transformação, a constatação externa da mudança interior, o testemunho, a divulgação dessa graça, a permanente renúncia, o crescimento espiritual, o relacionamento renovado com Deus e com o próximo.

Na realidade organizacional, tudo está centrado nas pessoas: a regularidade dos encontros, seu conteúdo, o atendimento das necessidades, a formação educacional, o local, o horário, o programa, o som, as cadeiras, a decoração, os compromissos financeiros conseqüentes, os desafios para alcançar outros, a mobilização para fora, o senso do ir, do fazer acontecer, do se importar.

O grande desafio para todos, então, é conciliar essas duas realidades concomitantes. Não se levantar contra uma, como forma de exaltar a outra. Muito menos focalizar uma e ignorar a outra. Buscar as motivações santas e íntegras do coração na melhor excelência e destreza das mãos.

Se os espiritualistas insistirem em ignorar a realidade organizacional da Igreja, agindo inconseqüentemente, sem buscar resultados para o reino de Deus, por favor, renunciem seus salários, doem o patrimônio acumulado, dispensem os empregados, rasguem as atas, abandonem os programas de ensino, as liturgias programadas, os planos futuros, etc. Estão convidados à frustração ministerial. Mas não se esqueçam de apagar as luzes no final.

Se os pragmáticos insistirem em ignorar a realidade espiritual da Igreja, agindo sem temor e santidade, por favor, aproveitem ao máximo tudo o que arrecadarem, insuflem-se ao extremo do prazer da autopromoção, pois, naquele dia, muitos dirão a Jesus: “Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres? Então, Ele lhes dirá claramente: ‘Nunca os conheci. Afastem-se de mim, vocês que praticam o mal!’”.

Aos que buscam o cumprimento integral de seu chamamento, mesmo sabendo da permanente tensão dessas realidades, busquem com alegria e com o coração o ministério de pastor, aprendendo e reaprendendo conforme os dons do Espírito distribuídos na Igreja, liderando e conduzindo com excelência. Entendam a importância da equipe que complementa e viabiliza a continuidade da missão. Respeitem as leis naturais do organismo e da organização. Tenham piedade e competência. Contemplem-se na adoração e atuem com responsabilidade social. Sejam servos e mordomos. Manejem bem a Palavra da Verdade e administrem as finanças com prudência e inteligência. Tenham toda a iniciativa no servir e toda a dependência de Deus no liderar. Vivam com sabedoria e intensidade as realidades espiritual e organizacional da Igreja.

O autor é diretor do Instituto Jetro. www.institutojetro.com
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